Arquitetura

Mestres da Arquitetura: Lina Bo Bardi, uma mulher do futuro

Arquiteta, jornalista, ativista. Lina representa hoje uma lenda. A CASACOR presta homenagem à mulher que marcou o pensamento moderno, no Brasil e no mundo

por Ana Carolina Harada Atualizado em 30 Maio 2018, 17h45 - Publicado em
30 ago 2017
17h11

Achillina di Enrico Bo nasceu em Roma, em 1914. Ali se formou em Arquitetura pela Universidade de Roma, porém foi em Milão que conseguiu ganhar alguma visibilidade e montar seu próprio escritório. Não eram tempos fáceis, contudo. A Europa vivia a Segunda Guerra Mundial e ela chegou a ter seu escritório bombardeado. Lina não partilhava das ideias nazi-fascistas, ingressou no Partido Comunista e participou da resistência contra a ocupação alemã em 1943.

Em 1946, tentando se afastar do cenário de destruição do Velho Mundo, Lina e o marido – o célebre jornalista Pietro Maria Bardi – vêm para o Brasil em busca de um começo. O casal se instala no Rio de Janeiro e a arquitetura moderna carioca encanta a italiana. Lina vê em seu novo país a possibilidade de expandir suas ideias e projetos dentro do movimento modernista que ganhava força. Essa arquitetura contava com novas tecnologias e materiais como concreto armado e o aço para construir formas limpas e sem ornamentação. O objetivo eram obras que fugissem do supérfluo e fossem verdadeiros manifestos de ideais como a igualdade e simplicidade. Lina passa o restante de sua vida no Brasil, trabalhando intensamente até 1992, ano de seu falecimento.

“Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível”. Lina sobre chegar ao Brasil

Até recentemente, sua obra permaneceu pouco estudada pela Academia, devido ao certo desprezo de pequisadores pelo trabalho de uma mulher em uma área de atuação predominantemente masculina. Felizmente, hoje, em tempos de necessária mudança, o legado de Lina Bo vem sendo reconhecido, nacional e internacionalmente. Há algo marcante e único em seus projetos: a preocupação humana por trás de cada obra. Os prédios, museus e casas projetados por ela servem como ponto de partida para a transformação social de seu entorno, convidando todos, sem distinção, a fazer parte dos ambientes. Segundo o professor de História da Arte da FMU, Gabriel Ruiz de Oliveira, “Lina Bo Bardi, por meio de seus projetos, procurou reconhecer e dar legitimidade às tradicionais técnicas artesanais locais. Sua sensibilidade e simplicidade no uso das formas é capaz de criar espaços memoráveis”.

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Lina abraçou o Brasil, a terra natal que escolheu para si, e compreendeu suas complexidades sociais e culturais como poucos conseguiram. Foi a brasileiríssima dama da Arquitetura Moderna.

Conheça algumas de suas obras abaixo:

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MASP, o Museu de Arte Assis Chateaubriand

No fim da década de 1940,  Lina e seu marido já eram figuras conhecidas na elite intelectual paulistana. O empresário Assis Chateaubriand então propõe à arquiteta o desafio de projetar um museu de arte moderna para São Paulo. Ele cederia o terreno e os recursos contanto que a vista privilegiada que o local tinha para o vale, que termina no centro da cidade, fosse preservada. Para cumprir a difícil tarefa, Lina elabora aquela que se tornaria sua mais icônica obra paulista, o Museu de Arte de São Paulo – o MASP-, finalizado em 1947.

Masp, projetado por Lina Bo Bardi e fotografado por Hans Gunter Flieg, na mostra “Arquitetura Brasileira Vista por Grandes Fotógrafos”, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 2013.
Masp, projetado por Lina Bo Bardi e fotografado por Hans Gunter Flieg, na mostra “Arquitetura Brasileira Vista por Grandes Fotógrafos”, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 2013. (Hans Gunter Flieg/CASACOR)

Seu desenho é conciso: uma caixa de vidro que flutua equilibrada por vigas de concreto. Bruto? Sim, mas também elegante na simplicidade. O MASP deixa que a cidade o atravesse e acolhe os passantes em seu vão.

“O museu era um ‘nada’, uma procura da liberdade, a eliminação de obstáculos, a capacidade de ser livre perante as coisas”. Lina sobre o MASP

Lina também escolheu boa parte do acervo inicial e desenhou cavaletes também de vidro e concreto para que a experiência das exposições estivesse em diálogo com a arquitetura do prédio. Uma obra de arte que voa, abrigando pinturas, também voando, para todos que quiserem contemplá-las.

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SESC Pompéia

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(Carlos Alberto Cerqueira Lemos/CASACOR)

O Sesc Pompéia era uma antiga fábrica de tambores prestes a ser demolida. Novamente, a visão vanguardista de Lina a fez propor um restauro na estrutura e a transformação em centro cultural, ainda nos anos 1970. A ideia de preservar obras como patrimônio urbano é muito recente e o Sesc Pompéia foi um pioneiro que provava que a revitalização proposta pela arquiteta não se limitava à velha indústria, mas se estendia para toda a região que a cercava, trazendo shows, oficinas, teatro e servindo como espaço de convivência não erudito, mas cotidiano e democrático.

“Importante é aceitar, fazer uso antropológico, quando necessário, de coisas esteticamente negativas: a arte (como a arquitetura e o desenho industrial) é sempre uma operação política.” Lina Bo Bardi

A arquitetura do Pompéia é, de certa forma, a materialização dos ideais que Lina acreditava. Converter uma fábrica, o marco do capitalismo hostil em um espaço que promove a democratização da cultura e a convivência é a mudança que ela gostaria de ter visto no mundo. Os elementos da indústria permanecem muito presentes no espaço, porém são acrescidos de uma enorme estrutura lúdica de concreto armado que literalmente “respira” por pequenos buracos na parede, já que Lina não suportava a ideia de ares condicionados que desconectassem o ambiente interno do externo. Ela aproveitou o brutalismo e a “estética do feio” para criar um local singelo, híbrido e convidativo.

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A casa de vidro

“Lina Bo Bardi na Casa de Vidro, projeto de Lina Bo Bardi”, 1952, fotografia de Chico Albuquerque, que integra a mostra no MIS, São Paulo, 2013.
“Lina Bo Bardi na Casa de Vidro, projeto de Lina Bo Bardi”, 1952, fotografia de Chico Albuquerque, que integra a mostra no MIS, São Paulo, 2013. (Dedoc/CASACOR)

Foi a sua primeira obra construída no Brasil e seu lar durante 40  anos. Lina fez um projeto delicado e ambicioso, suspenso por vigas delgadas (um traço presente ao longo de seu trabalho). As paredes transparentes fazem com que o interior da residência se una ao grande jardim do lado de fora, plantado por ela própria. É um marco da arquitetura moderna no Brasil e, apesar de ser uma obra inicial, já mostrava o ideário tão característico de Lina: ambientes externo e interno em diálogo.

Solar do Unhão, o Museu de Arte Moderna da Bahia

“Portanto, se a gente acreditar que tudo o que é velho deve ser conservado, a cidade vira um museu de cacarecos. Em um trabalho de restauração arquitetônica é preciso criar e fazer uma seleção rigorosa do passado. O resultado é o que chamamos de presente histórico” Lina Bo Bardi

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(Wikimedia Commons/CASACOR)

Este complexo agro-industrial do século XVII, nos moldes dos engenhos de açúcar, que incluíam, além do solar, uma capela, um aqueduto, uma senzala e um cais privativo foi escolhido na década de 1960 para abrigar o Museu de Arte Moderna da Bahia.

Lina gostaria de estimular e dar visibilidade à cultura nordestina, portanto o projeta como museu-escola, no ano de 1962. Ainda que mudanças precisassem ser feitas para que o complexo histórico se tornasse um museu de arte moderna, boa parte da estrutura se manteve, sendo a maior alteração a demolição de uma parte do piso, no segundo andar do casarão, para que fosse construída uma grande escada em espiral de madeira. Essa escada escultural é uma homenagem aos tradicionais carros de bois nordestinos e usava o mesmo método de encaixe sem pregos. Com o Golpe Militar de 1964, Lina foi afastada do MAM. Mesmo assim, seu nome permanece como idealizadora apaixonada de um Solar do Unhão artístico.

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