Pioneiros do design no Brasil: profissionais que marcaram a história
Vanguardistas e visionários, esses designers desafiaram o modo de produção, contribuindo para uma identidade nacional com criações inovadoras
A ascensão do modernismo no mundo foi marcada pela busca incessante dos intelectuais da época por uma identidade brasileira nas artes e no design – um movimento que desafiou a estética e as ideologias colonialistas do século XIX.
Marcado também por um contexto de imigração e influências internacionais, os artistas brasileiros do período não ignoraram a cultura e as realidades locais, mas as celebraram, destacando o artesanato e os materiais regionais em suas criações únicas. Conheça quem são os pioneiros que marcaram a história do design de móveis no Brasil.
Celso Martinez Carrera
Celso Martinez Carrera (1884-1955), imigrante espanhol radicado em São Paulo, era marceneiro na Companhia Estrada de Ferro de Araraquara, São Paulo. Ele deixou seu emprego depois que um médico local enfrentou dificuldades para importar camas de ferro devido aos distúrbios pré-Primeira Guerra Mundial. Em Araraquara, Celso abriu sua própria oficina e, em 1915, produziu a primeira série de móveis no Brasil: a Cama Patente.
Este marco no design de móveis brasileiro conquistou popularidade entre as camadas médias e baixas devido à sua simplicidade e funcionalidade. Inspirada nas camas de ferro inglesas, sua estética minimalista e montagem fácil desafiaram a extravagância dos móveis sob medida. Embora tenha passado por modificações ao longo do tempo, sua influência continua sendo evidente, especialmente em interpretações contemporâneas como a Nova Cama Patente criada por Fernando Jaeger nos anos 1980 e comercializada pela Tok & Stok.
Flávio de Carvalho
Artista multifacetado nascido no Rio de Janeiro, Flávio Resende de Carvalho (1899-1973) destaca-se por suas contribuições inovadoras em várias áreas. Mudando-se para São Paulo em 1900, estudou na Europa e, em 1922, após a Semana de Arte Moderna, começou sua carreira. Apesar de não vencer concursos públicos, os seus projetos arquitetônicos foram importantes na modernização brasileira. Destacam-se a casa da fazenda Capuava, conhecida pela sua decoração única, e o conjunto de casas na Alameda Lorena.
Participou de movimentos artísticos controversos, como o evento “Experiência n. 2”, desafiando as normas sociais. Fundou o Clube dos Artistas Modernos e o Teatro da Experiência, que inovou na cena teatral brasileira. Suas exposições individuais enfrentaram censura, mas ele persistiu, ganhando o reconhecimento da justiça. Suas obras, como “Retrato de Oswald de Andrade”, exibem um estilo expressionista distinto. Dentre os móveis que criou, destacam-se as suas cadeiras, principalmente a poltrona FDC1, que foi criada em meados da década de 1950, foi reeditada pela Objekto e revendida pela Futon Company.
Gregori Warchavchik
Gregori Ilych Warchavchik (1896-1972), arquiteto russo, foi o principal responsável por introduzir a arquitetura moderna no Brasil, sendo diretamente influenciado pelos pensamentos dos arquitetos modernistas Walter Gropius, Mies Van Der Rohe e Le Corbusier. Seu manifesto, publicado em 1925, propôs a arquitetura moderna como resposta à vida contemporânea. Sua casa na rua Santa Cruz (1928) é considerada pioneira. A casa da rua Itápolis (1933) marcou a aceitação do estilo moderno.
Convidado por Le Corbusier para representar a América do Sul, Warchavchik lecionou na Enba, tornando-se influente no ensino da arquitetura moderna. Suas obras no Rio de Janeiro, como a Residência Nordschild (1931) e o conjunto de casas operárias da Gamboa (1933), também foram inovadoras. A maioria dos móveis destas casas foi desenhada por Warchavchik, com formas e linhas que seguiam os mesmos preceitos modernos de funcionalismo e não ornamentação estética.
John Graz
John Louis Graz (1891-1980), suíço, precursor do art déco no Brasil e participante da Semana de 22, destacou-se como pintor, desenhista, escultor e designer. Após estudar na Europa, mudiu-se para o Brasil em 1920, onde integrou o grupo modernista de São Paulo. Seus móveis tubulares, feitos de canos metálicos e laminados de madeira, são considerados inovadores. Além de se dedicar à pintura, especialmente retratando elementos do cotidiano nacional, como indígenas e festividades populares, Graz também se destacou na arquitetura de interiores, buscando a integração entre decoração e edificação. Sua obra reflete uma visão romântica do Brasil, combinando elementos primitivos e modernos.
Lasar Segall
Lasar Segall (1889-1957), mais conhecido por suas notáveis contribuições nas artes plásticas, também se destacou por sua versatilidade artística, abrangendo criações no design de mobiliário. De origem judaica, iniciou seus estudos de arte na Lituânia em 1905, antes de se mudar para a Alemanha, onde obteve reconhecimento na Escola de Artes Aplicadas e na Academia Imperial de Belas Artes. Retornou ao Brasil em 1923, integrando ativamente o cenário da arte moderna brasileira e interagindo com os jovens modernistas.
Residindo em uma casa na Vila Mariana, São Paulo, projetada por seu concunhado Gregori Warchavchik, Segall iniciou seus projetos de design de móveis. Entre suas criações, destacam-se poltronas, mesa de centro e um sofá versátil, disponível em duas versões: uma única peça ou em três módulos intercambiáveis. Feitos de madeira com pintura em tinta preta, todos os móveis apresentam linhas sóbrias e funcionais, refletindo o característico design de Segall.
Lúcio Costa
Lúcio Costa (1902-1998) foi um destacado arquiteto brasileiro, figura importante para o movimento moderno no país. Formado em 1924 pela Escola Nacional de Belas Artes, Costa adotou inicialmente o estilo neocolonial, mas logo se converteu ao modernismo após se inspirar na Casa Modernista de Gregori Warchavchik. Vencedor do concurso para o plano piloto de Brasília em 1957, Costa concebeu a cidade com base em dois eixos perpendiculares, refletindo sua visão de harmonia entre diferentes escalas de uso do espaço.
Seu legado é marcado pela capacidade de estabelecer um diálogo entre o passado e o presente na arquitetura brasileira, tornando-se uma figura central e influente no cenário arquitetônico nacional. Um lado não tão conhecido de Costa é o de designer de mobiliário, projetando os móveis para algumas de suas construções, como foi o caso do Park Hotel em Nova Friburgo, Rio de Janeiro. Ele desenhou todo o mobiliário das áreas comuns e dos dormitórios, todo feito em pequenas marcenarias e serralherias da região. Infelizmente a maioria de seus móveis nunca ganharam reedições, restando pouquíssimos exemplares atualmente.