Desvende a série britânica Killing Eve por meio do design de seus sets
A designer e decoradora Casey Williams fez vários estudos para garantir que o cenários refletissem o universo e personalidade de cada personagem
Lançada em 2018 pela BBC America, Killing Eve é um drama britânico aclamado pelos críticos. Ela levou o prêmio de Melhor Série no Globo de Ouro, em 2019 e os Emmys de Melhor Atriz para Sandra Oh (Eve) no mesmo ano, e Jodie Comer (Villanelle) no ano seguinte (2020). Baseada no livro de Luke Jennings, “Codinome Villanelle” (2018), diversos pontos na série merecem atenção, como é o caso do design dos cenários, tarefa atribuída à Casey Williams.
“Cada cenário é liderado por personagens”, contou Williams ao Dezeen, explicando como ambientação e as escolhas de localização foram usados para expressar os estilos de vida radicalmente diferentes das duas personagens principais. Comparar a monótona investigadora Eve Polastri com a decadente assassina Villanelle foi a chave para criar o clima visual da série.
“O mundo de Eve é sempre tão sem vida. Nunca é colorido. É um pouco chato,” disse ela. Na série, a personagem de Sandra Oh é uma investigadora do MI5, serviço de inteligência britânica, que persegue a assassina interpretada por Jodie Comer.
“Isso contrasta com o mundo de Villanelle, que é sempre colorido, emocionante, rico e suntuoso. “Williams trabalhou ao lado do desenhista de produção Laurence Dorman no design do cenário para a série, que conta com 3 temporadas.
Um apartamento casulo
O final da segunda viu Polastri ser abandonada pelo marido e baleada por Villanelle, após a investigadora se recusar a fugir com a assassina. Na terceira temporada, Polastri se refugia em um apartamento pequeno, escuro e desordenado em New Malden, Londres. Nascida nos EUA, filha de mãe coreana, Eve encontra trabalho no restaurante coreano de uma amiga da família no subúrbio sudoeste, que tem uma das maiores comunidades coreanas fora da Coreia. “A ideia com Eve é que ela voltou ao útero,” explicou Williams. “Ela está submersa. Ela voltou (para New Malden) para se esconder e se curar.”
O apartamento foi construído do zero, com o objetivos de criar a aparência de uma vida universitária, Williams revelou. “É um apartamento velho e desgastado – talvez fosse da família – que foi um pouco esquecido, e ela apenas pegou seus pertences mais preciosos ou mais necessários, provavelmente encheu um ou dois táxis e colocou o resto no depósito.”
Glamour em Barcelona
Em contraste com isso, está uma das residências mais atraentes da série em Barcelona, emprestada à russa Villanelle pelos Doze – uma organização que contrata assassinos. Filmado na cidade, o luxuoso apartamento catalão possui interiores em estilo mourisco com janelas de vidro decorativas coloridas que banham os quartos de luz – outro aspecto que desempenha “um papel importante” na escolha do local.
“O layout do local ou construção é extremamente importante, pois cria a geografia de como a cena se desenrola, então esta é uma decisão muito importante tomada entre o designer, o diretor de fotografia e o diretor.” Williams então pega essas salas como o esqueleto do cenário e adiciona textura, cor e forma.
“Para mim, isso foi obviamente um sonho de cenário para decorar”, disse Williams. “A localização era incrível e servia para muita coisa. A incrível arquitetura catalã ou modernista, com sua mistura de design mourisco com formas mais orgânicas, permitiu que eu fosse capaz de incorporar uma mistura eclética de peças nobres.”
Assim como no caso de Eve, a personalidade da outra protagonista serviu de referência para Casey. “Villanelle também tem essa compulsão infantil por coisas que são especiais – tudo pelo que ela é atraída tem algo assim”, acrescentou ela. “Então foi um verdadeiro prazer para mim.”
Além de comprar móveis em Barcelona, Williams também enviava objetos de outros locais da Europa, incluindo França e Itália, certificando-se de usar uma mistura de peças e móveis sofisticados encontrados em antiquários e adereços. “Nunca seria um set barato, no que dependesse de mim”, explicou quando questionada sobre o orçamento. “Tenho que escolher peças que, se você vir de perto, vai querer também. A qualidade precisa ser lida na câmera.”
“Gastei muito dinheiro no quarto dela”, acrescentou, referindo-se ao cômodo que apresentava uma cama de dossel comprada nova, mas adaptada para parecer uma peça mourisca envelhecida, composta por “lençóis elegantes de seda estilo Villanelle.” A profissional conta também que usou o guarda-roupa da russa para incorporar itens como franjas, rosas e cores de joias à decoração.
Sobriedade moderna e britânica
Menos extravagante do que o apartamento em Barcelona, mas não tão simplório quanto a moradia de Eve, é a casa de Carolyn Martens, chefe da divisão russa na MI6. Situada em uma casa no estilo dos anos 1960, a locação é listada como patrimônio a ser preservado, e foi projetada pelo arquiteto Peter Aldington em Prestwood, Buckinghamshire.
A Clayton House, também conhecida como Quilter House, contrasta com detalhes de tijolo, madeira e concreto tanto por dentro quanto por fora. Esses tons de terra se estendem por todos os espaços internos. “Nós demos a ela uma casa muito moderna e limpa, mas foi importante trazer os aspectos um pouco mais tradicionais de sua personagem também”, explicou Williams. Para fazer isso, ela misturou arte moderna e tons de laranja de meados do século com almofadas de tecido Kilim mais clássicas.
Estas foram apenas algumas das locações em que a série foi filmada. Um dos maiores desafios para Williams foi acompanhar as inúmeras viagens ao perseguir Villanelle e Eve pelo mundo, de Londres e Espanha à Polônia e Rússia. “Eu estava muito cansada”, ela deu risada ao lembrar. “Acho que voei para fora do país na maioria dos domingos para depois voar de volta na quarta-feira… Mas foi tão divertido!
Quebrando os estereótipos
“Um de seus sets favoritos para decorar era a casa da família de Villanelle na Rússia, apresentada no episódio cinco – os exteriores foram filmados na Romênia, enquanto os interiores foram construídos em Londres. “Foi muito importante ter certeza de que não caricaturamos isso,” disse Williams. “Muitas pessoas, quando pensam na Rússia rural, pensam em velhas senhoras no estilo babushka com lenços na cabeça e roupas com babados. Não era sobre isso.”
Casey Williams fez diversas viagens e pesquisas para ter certeza que a representação nos cômodos fossem verossímeis. “Com Killing Eve, a questão toda é que é muito baseado na realidade. O histórico socioeconômico dos personagens é muito importante, então é algo que realmente consideramos ao construir e decorar o cenário.”
E foi mais afundo, porque “o diabo está nos detalhes”, se apegando às mínimas particularidades. “Vou caçar esses minúsculos detalhes visuais que mostram a realidade, como em que pote eles colocam o açúcar, como fecham as cortinas – coisas que mostram pessoas normais de uma maneira normal.” Isso a envolveu em muitas viagens a países pós-soviéticos para encontrar papéis de parede, pisos e tapetes específicos que transmitissem o ambiente russo.
“No Reino Unido, não vemos muitas peças soviéticas por aí, então é como encontrar um tesouro, porque uma vez que sumiu, acabou.” Disse ela. “Obviamente, poderíamos encontrar o tipo certo de papel de parede e imprimi-lo, mas seria muito mais complicado.” Williams finaliza com o que considera exigir mais atenção: “A chave está nas texturas e na maneira como refletem a luz e se conservam – as texturas são muito importantes.”
A série Killing Eve (2018) está disponível na íntegra no Globoplay e, por conta da pandemia, ainda não tem previsão de lançamento para a próxima temporada.